Para alguém que já se foi

Oi vó, sem mais nem menos eu parei o que tava fazendo pra lhe escrever.
Vez ou outra eu tento me desafiar, sabe? Mesmo cheia de coisas pra fazer, ainda me ponho mais desafios, me provoco escrever, e lhe digo com certeza que é uma das coisas que me fazem escapar desse mundo cheio de turbulência que ando vivendo ultimamente.
Acredita que durante o último ano conheci pessoas que ainda tem avós vivas, vó? E eu até chamei a vó dos outros de vó, sentindo uma certa saudade da senhora. Eu não sei que fundamento a vida viu em lhe levar tão cedo da minha vida, mas há de existir algum sentido que eu ainda não entendi. Tive que aceitar, e sentir a saudade tardiamente, quando fui descobrindo nossas semelhanças, mesmo que em mundos diferentes.
Vó, escrevo essa carta ouvindo uma música do Ney Matogrosso, "Poema". Sei lá por quê escolhi essa música pra ouvir agora, escrevendo pra senhora, mas me traz um sentimento meio nostálgico... Tenho tido pesadelos quase todos os dias, acordo suada e mais de 2x durante a noite, com medo de perder a hora, de ter que sair às carreiras de casa pro trabalho ou pro estágio. É tanta coisa pra fazer, vó, que ainda tenho um espacinho pra lhe dizer hoje: sinto saudades. Tenho medo de como minha vida vai ser daqui há 2 meses, 6 meses, 1 ano. Sinto que as expectativas que a mãe tem em mim sumiram desde que eu parei de ter tanto contato com ela, mas existem as expectativas de outras pessoas, responsabilidades a cumprir, obrigações a fazer, mais gente pra dar conta e olha, gente dá trabalho vó, talvez eu devesse ter investido naquele sonho de ser veterinária (ou não, ia ser penoso lidar com cachorrinho doente).
Vó, sinto falta do seu abraço, da sua compreensão, da senhora me dando alfinim, dos almoços de domingo e da sua voz. Sinto falta de afeto familiar, porque a família que eu tinha talvez nunca existiu como eu imaginava, como eram nas novelas e nas histórias que eu lia ou escutava antes de dormir. Mas a senhora me dava a sensação de família, de um seio familiar, de acolhimento e da sensação de que independente das escolhas que eu fizesse na vida, a senhora estaria ao meu lado. As vezes eu acho que a senhora tá mesmo aqui, do meu lado.
Vó, talvez eu nunca tenha lhe dito em oração ou qualquer conversa, mas toda vez que fui a um centro espírita, pedia do fundo do coração algum contato seu. Queria tanto saber se ainda existe alguém por mim nesse universo, fosse aqui na Terra ou em outro plano. Mas no final das contas percebi que isso era egoísmo meu, que em momento algum eu devo atrapalhar a jornada de alguém. O que eu desejo muito é que a senhora tenha ganho o reconhecimento da ótima pessoa que a senhora foi aqui, onde quer que esteja e que esteja em paz. Mesmo não tendo sua presença física, eu te amo vó e aonde quer que eu vá, vou sempre lembrar da senhora, do seu colo, da senhora sentada naquelas cadeiras de madeira lá no fundo da cozinha, tomando uma xícara de café e olhando pra porta da entrada de casa...
Naquele dia que eu quis fugir de casa vó, eu não imaginava que ia passar uma boa parte da vida querendo fugir de mim. Hoje, eu só quero me encontrar.
Não sei onde, mas eu sei que vou.
Obrigada por existir, vó.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Família

Sobre meu último término

O casal mais apaixonado que eu conheço