Sobre meu último término
Nem todo término é sobre fim. Nem todo fim é sobre término.
O meu último término foi mais sobre mim do que o outro. Mas envolveu os dois com muita dor.
Eu tenho um transtorno de personalidade chamado borderline, que consiste em dizer que a pessoa é instável sentimentalmente. É praticamente a tradução do termo, de forma literal: na borda, no limite. Aquela sensação de ser 8 ou 80 é bem frequente por aqui, sabe? O que eu quero dizer, é que nem tudo é tão simples pra mim, muito menos pro meu pobre músculo que pulsa o meu sangue, principalmente quando meus neurônios decidem confundir tudo.
Antes do diagnóstico, eu só sabia ter depressão e já dizia pros meus colegas que era como ter um "câncer crônico". Depois de descobrir o border, resumo ser uma pessoa com uma ferida sempre aberta, pronta pra sangrar ou doer a qualquer arranhão. E foi assim que eu me senti naquele término, naquela tarde comum de um dia 31: uma ferida em um sangramento descontrolado.
É muito ruim se sentir como um peso na vida de alguém, principalmente quando já tivemos tantas vivências ruins. É assim que eu me sinto a maior parte do tempo, quando me relaciono com alguém: um peso, uma pedra no caminho, no sapato, um incômido. Quando se sofre demais, a gente só quer saber de paz, sossego e um ambiente que nos acolha quando o mundo parece estar contra nós. Pensamento um tanto egoísta? Eu não gosto de pensar assim, só tô cansada mesmo das coisas darem errado e eu sempre me dedicar demais. Contudo, até a dedicação que eu dou pode ser prejudicial, e o outro não tem nada a ver com isso.
Henri sempre foi um anjo comigo, mesmo que eu não percebesse isso. Não tinha sagacidade nas coisas que ele fazia, sempre me respeitou e a maior parte das vezes eu que causava discórdia com meus pensamentos mirabolantemente destrutivos. Pensar demais as vezes me causa isso: dúvidas, inseguranças, medos, sensação de abandono, tudo que um borderline é - e mais um pouco. Depois daquele dia, só nos veríamos 3 meses depois, mas desde a chegada dele eu sentia que alguma coisa não estava normal. Podia ser tudo, mas era eu. Era o border. Ele havia vindo me visitar, cheio de alegria e cansaço, chocolates, esperança e no final das contas, tivemos mais lágrimas e desespero.
Num adianta muito eu contar o que aconteceu, mas em resumo, parte de mim estava imersa em uma crise, como se fosse dentro de uma panela de pressão, a ponto de explodir. E explodi, quando não deveria. Terminei com Henri antes mesmo de perceber que aquilo era uma forma do border que eu jamais tinha presenciado, o que alguns dias mais a frente me faria pedir por clemência, devido o cessar da crise. Ele viajaria de volta pro endereço dele dia 1º e eu, ao invés de parar pra pensar na besteira que havia feito, tentei ficar firme em um sentimento de "ele vai me abandonar" misturado com "se você não sair dessa agora, no futuro vai ser pior porque ele vai sair", e ainda com um misto de "esqueça ele, porque ele tá melhor que você lá e não vai voltar".
Vozes da minha cabeça? Vozes do borderline. Meu terapeuta respondeu minha mensagem tarde demais, e ouvir dele o que o Henri me falou antes de eu jogar tudo pro ar (e de volta pra ele), me doeu mais a consciência: não tome decisões impulsivas enquanto tiver se sentindo mal. A todo momento eu só queria mostrar pro meu lado emocional que eu tinha o controle de tudo, que eu não ia machucar a gente mais uma vez. Mas eu já tava me machucando e foi péssimo.
Eu poderia dizer hoje que o Henri pode estar melhor sem mim, mas gosto de pensar principalmente em como eu estaria melhor se não fosse o border. Nenhuma pessoa é perfeita e o que eu tento buscar é menos imperfeição, só que nem nessa situação eu tenho conseguido ser boa, nem sequer pra mim. Talvez um dia Henri me perdoe (sim, espero que sim) e que ressignifique aquela memória ruim com coisas bem mais felizes, porque eu sei que ele merece. O sorriso dele é lindo e o jeitinho fofo que ele ri não deveria ser apagado nunca, nem por uma pessoa tão sentimental como eu.
Acho que essa experiência que eu tive é um grande sinal de alerta pra minha vida toda, que eu posso não ter controle sobre o que eu sinto, mas posso ter controle sobre meus atos e fazer com que outras pessoas não sintam a dor que eu sinto. Tem muita gente que acha que o borderline é vingativo, manipulador, vitimista, mas parando um pouco pra pensar, a maioria dos terapeutas que expoem casos assim na internet tem razão: a gente só quer ter nossa dor validada, mesmo que de uma forma tão imprópria. Sei que mal algum justifica esse tipo de atitude, e é aí que mais uma vez eu vou lembrar do que fiz com Henri, e que ao mesmo tempo me fiz também: trauma. Muito forte assumir que eu causei um trauma a alguém, mas não foi só à ele, foi pra mim também! Quando que em sã consciência alguém admite que fez um trauma à si mesmo? Acho que esse tipo de momento é a afirmação de que eu preciso ter calma, que reagir de imediato pode causar um mal (quase ou completamente) irremediável e que ninguém, absolutamente ninguém tem o dever de sofrer a mesma dor que você sente, mesmo que esse alguém te ame.
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